O DIREITO E OS LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO ENTRE OS PAÍSES DA AMÉRICA DO SUL.
Por, Rafael Torres – Advogado Criminalista – Brasil.
A liberdade de expressão é um Direito fundamental encetado nas Constituições Republicanas e como todos os outros não é absoluto. O referido termo não se reduz ao externar sensações e sentimentos. Ele abarca tanto a liberdade de pensamento, que se restringe aos juízos intelectivos, como também a manifestação de sensações. Nesse sentido, ARCHIBALD COX, ao comentar o primeiro artigo da Bill of Rights americana, acerca da liberdade de expressão: “O homem ou mulher pensante, de sensações, o novelista, o poeta ou dramaturgo, o artista, e especialmente o religioso certamente consideram a negação à liberdade de expressão como a maior afronta que pode ser impingida à condição destes como seres humanos”.
Depreende-se que a liberdade de expressão é direito genérico que finda por abarcar um sem-número de formas e direitos conexos e que não pode ser restringido a um singelo externar sensações ou intuições, com a ausência da elementar atividade intelectual, na medida em que a compreende. Dentre os direitos conexos presentes no gênero liberdade de expressão, podem ser mencionados, aqui, os seguintes: liberdade de manifestação de pensamento; de comunicação; de informação; de acesso à informação; de opinião; de imprensa, de mídia, de divulgação e de radiodifusão.
Não se pode esquecer da sua consequente dimensão coletiva, tendo em vista que a liberdade de expressão abarca, também, terceiros. Palmilhando esse caminho, JOHN STUART MILL, ao tratar da liberdade sob comento, logo advertiu: “A liberdade de exprimir e de comunicar opiniões pode parecer que cai sob um princípio diferente, uma vez que pertence àquela parte da conduta do indivíduo que concerne a outras pessoas”
Com efeito, correto é o magistério de NUNO E SOUZA, para quem “A liberdade de informação possui uma dimensão jurídico-colectiva, ligada à opinião pública e ao funcionamento do Estado democrático, e um componente jurídico-individual; protege-se o legítimo interesse do indivíduo de se informar a fim de desenvolver a sua personalidade; não só o princípio democrático explica tal liberdade, também releva o princípio da dignidade humana”.
À luz do Direito Comparado, temos que a Convenção Americana de Direito Humanos, diante de uma exponencial necessidade, decidiu por tutelar a liberdade de expressão, nos moldes supracitados, em seu artigo 13. Desse modo, a liberdade de expressão está devidamente estabelecida nas Constituições dos países do MERCOSUL, bem como dos países associados a esta organização.
Vejamos os mandamentos constitucionais encampados nos respectivos diplomas dos Países da América do Sul:
Constituição Brasileira, Todas as pessoas possuem direito constitucionalmente garantido à informação, especificamente o acesso à informação, limitado por outros direitos tais como o direito à privacidade, conforme bem ensina o artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Constituição Boliviana, que também propagou a liberdade de expressão como uma garantia constitucional, ditou tal fato no seu artigo 7º, alínea b, ao assim propugnar:
“Artículo 21. Las bolivianas y los bolivianos tienen los siguientes derechos:
(…)
3. A la libertad de pensamiento, espiritualidad, religión y culto, expresados en forma individual o colectiva, tanto en público como en privado, con fines lícitos.
(…)
5. A expresar y difundir libremente pensamientos u opiniones por cualquier medio de comunicación, de forma oral, escrita o visual, individual o colectiva.
6. A acceder a la información, interpretarla, analizarla y comunicarla libremente, de manera individual o colectiva.
A Constituição boliviana traz em seu bojo uma ideia de liberdade de expressão apresentando quais os requisitos necessários para alcançar dita liberdade, deixando claro que esta liberdade expressiva de suas ideias e opiniões podem ocorrer a partir de qualquer meio de difusão, seja escrita ou não.
Constituição Chilena, a liberdade de expressão delineado no seu artigo 19, no parágrafo 12, que assim descreve:
“Art. 19. La Constitución asegura a todas las personas:
(…)
12. La libertad de emitir opinión y la de informar, sin censura previa, en cualquier forma y por cualquier medio, sin perjuicio de responder de los delitos y abusos que se cometan en el ejercicio de estas libertades, en conformidad a la ley, la que deber ser de quórum calificado.
La ley en ningún caso podrá establecer monopolio estatal sobre los medios de comunicación social.
Constituição Paraguaia, a liberdade de expressão está representada no art. 26 que preconiza os princípios básicos para este tipo de direito, ao assim ensinar:
“Se garantiza la libre expresión y la libertad de prensa, así como la difusión del pensamiento y de la opinión, sin censura alguna, sin más limitaciones que las dispuestas en esta Constitución; en consecuencia, no se dictará ninguna ley que las imposibilite o las restrinja. No habrá delitos de prensa, sino delitos comunes cometidos por medio de la prensa.
Toda persona tiene derecho a generar, procesar o difundir información, como igualmente a la utilización de cualquier instrumento lícito y apto para tales fines.”
Ainda, o art. 28 da mesma Carta Constitucional se refere ao direito de informação ao assim se expressar:
“Se reconoce el derecho de las personas a recibir información veraz, responsable y ecuánime. (…)”
Constituição Argentina, a liberdade de expressão encontra-se disciplinada no artigo 14, vejamos:
“Artículo 14. Todos los habitantes de la Nación gozan de los siguientes derechos conforme a las leyes que reglamenten su ejercicio, a saber: (…) de publicar sus ideas por la prensa sin censura previa; (…).”
Constituição Uruguaia, esta delineia no seu artigo 29 acerca do tema em trato:
“Art. 29. Es enteramente libre en toda materia la comunicación de pensamientos por palabras, escritos privados o publicaciones de prensa, o por cualquier otra forma de divulgación, sin necesidad de previa censura; quedando responsable el autor y, en su caso, el impresor o emisor, con arreglo a la Ley por abusos que cometieren.”
A partir da exposição das respectivas previsões nas diferentes legislações dos Países, percebemos um ponto em comum, qual seja a inexistência de um direito absoluto e que, portanto, a disseminação das informações sejam individuais, sejam pelos canais de imprensa, há limitações das quais o extrapolamento das barreiras legais são passíveis de sanções.
Os ordenamentos jurídicos descrevem uma maior amplitude do exercício do direito à informação, propondo restrições a serem impostas a estes direitos, sendo, sobretudo, o limite da licitude, mas também as normas acabam por conectar o tema de informação com outros direitos individuais e coletivos, como o direito à religião, à espiritualidade e ao culto.
Com toda razão, para que determinada ação encontre-se guarida no seguro porto da liberdade de expressão, tem-se como requisito que o exercício desta não prejudique ninguém, em nenhum de seus direitos. Por isso, temos sempre vivas as importantes palavras do saudoso NUNO E SOUZA quando este enfatiza: “Toda a liberdade tem limites lógicos, isto é, consubstanciais ao próprio conceito de liberdade”.
Ainda quanto à inexistência de direito absoluto, faz-se necessário apresentar o relevante magistério de ROBERT ALEXY, referência obrigatória na matéria, ao demonstrar com toda propriedade que, se um princípio for considerado absoluto, o direito nele fundamentado também o será. O problema para o jurista alemão reside na dimensão individual de algum direito supostamente absoluto. Quer-se dizer, se todo indivíduo tivesse a prerrogativa de exercício de um direito absoluto, como se daria a sua relação com outros indivíduos também detentores de um mesmo direito absoluto? Cederiam todos, ainda que considerados absolutos e, assim, impassíveis de cedência? Evidentemente que, pelo paradoxo que provocaria a tese, não se pode aceitá-la.
Em tempos sombrios, certas publicações podem ameaçar a sobrevivência das instituições democráticas e até mesmo a Nação. Entretanto, é necessário que se leve em consideração que no tocante às autoridades públicas, alço como um dever moral a realização das críticas.
Não é crível, a pretexto de exercer a liberdade de expressão, violar a honra, a intimidade alheia ou a dignidade da pessoa humana. Logo, dada a relevância inconteste do tema em testilha, a liberdade de expressão encontra-se tutelada para, dentre outras finalidades, assegurar a formação da personalidade individual (ainda que não seja, evidentemente, responsável pela totalidade dessa formação), seria insuportável que seu exercício engendrasse justamente o desrespeito a direitos da personalidade e, ademais, provocasse com isso aquela formação por meio das divulgações viciadas, gerando uma mensagem implícita de que os direitos podem sempre ser violados.
Desta feita, é necessário que haja a preservação perpétua desse importante Direito Tutelado, que permite aos seres humanos a liberdade de manifestação; todavia, é indispensável reprimir condutas que sejam atentatórias, sobretudo à dignidade da pessoa humana. Portanto, impreterivelmente, é imperioso respeitar os limites impostos pela lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional – 18ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2020.