BANALIZAÇÃO DA PRISÃO SEM JULGAMENTO DEFINITIVO NOS PAÍSES DA AMÉRICA DO SUL.

O presente artigo visa apresentar os elevados números de prisões provisórias entre os Países Brasil e Bolívia, diante de um sistema jurídico que se aproxima quando da análise dos requisitos ensejadores para a aplicabilidade da medida restritiva frente aos casos concretos.
No Brasil foi feita uma pesquisa no final do ano passado (2019) que constatou que há mais de 700 mil presos nas penitenciárias, e, desse quantitativo, mais de 256 mil são destinados aos encarceramentos provisórios, ou seja, são aqueles que tiveram a sua liberdade de locomoção privada e, portanto, estão aguardando o julgamento final do processo criminal.
Um relatório da Convenção Interamericana de Direitos Humanos constatou que, em meados da última década, o número de presos que aguardam uma condenação definitiva perante a justiça Boliviana, em um interstício temporal de aproximadamente 3 anos, teve um acréscimo de mais de 80%. Este dado fica muito próximo do Brasil quando da análise feita de acordo com o percentual da totalidade de presos entre os Países.
A vigente legislação brasileira elenca que, para a aplicação de uma prisão preventiva, indispensavelmente alguns requisitos precisam estar presentes, vejamos a disposição do artigo 312 do Código de Processo Penal:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Conforme demonstrado alhures, para que seja determinada a prisão preventiva no Brasil, é imperativa a presença de garantia da ordem pública, da ordem econômica e da conveniência da instrução criminal para assegurar a aplicação da lei penal, requisitos que podem ser cumulados ou não. Também necessita que exista prova do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, este último, inserido pelo pacote anticrime, com altas críticas, em virtude de ser a repetição do risco que o investigado/acusado possa gerar.
À luz do Direito Comparado, temos que, na Bolívia, para que seja assentada a prisão preventiva, o Código de Processo Penal aduz a partir do artigo 233 os requisitos ensejadores, sendo eles: existência de elementos suficientes de condenação para sustentar que o acusado é, provavelmente, o autor ou participante de um ato punível e existência de elementos suficientes de convicção que o acusado não submeterá ao processo ou dificultará a investigação da verdade. Vejamos disposição dos artigos 234 e 235 daquele código:
Artigo 234. (PERIGO DE VAZAMENTO). Entende-se por perigo de fuga qualquer circunstância que permita sustentar que o acusado não se submeterá ao processo que procura fugir à ação da justiça.

Para decidir sobre sua participação, será realizada uma avaliação abrangente das circunstâncias existentes, levando em consideração o seguinte:

1. Que o réu não possui residência habitual ou residência, nem família, empresa ou emprego estabelecido no país;

2. As instalações para deixar o país ou permanecer oculto;

3. Prova de que o acusado está realizando atos preparatórios de fuga;

4. O comportamento do acusado durante o processo ou em um anterior, na medida em que indique sua vontade de não se submeter a ele;

5. Qualquer saída alternativa para um crime malicioso foi aplicada a ele;

6. A existência de atividade criminosa repetida ou anterior, devidamente credenciada;

7. Perigo efetivo para a sociedade ou para a vítima ou reclamante; e

8. Qualquer outra circunstância devidamente credenciada que permita justificar o fato de o acusado estar em risco de fugir.

Artigo 235. (PERIGO DE OBSTACULIZAÇÃO). Por perigo de obstrução, entende-se qualquer circunstância que permita sustentar, que o acusado com seu comportamento dificulte a investigação da verdade. Para decidir sobre sua participação, será realizada uma avaliação abrangente das circunstâncias existentes, levando em consideração o seguinte:

1. Que o acusado destrua, modifique, oculte, exclua e / ou falsifique evidências;

2. Que o acusado ameaça ou influencia negativamente os participantes, vítima, testemunhas ou especialistas, a fim de que denunciem ou se comportem com relutância;

3. Que o acusado ameaça ou influencia negativamente juízes, promotores e / ou funcionários e funcionários do sistema de administração da justiça.

4. Que o acusado induza outros a realizar as ações descritas nos números 1, 2 e 3 deste artigo.

5. Qualquer outra circunstância devidamente credenciada, que permita justificar que o acusado, direta ou indiretamente, dificultará a investigação da verdade.

Diante da exposição dos comandos para a decretação da prisão preventiva entre os ordenamentos jurídicos comparados, um ponto que merece destaque perfaz a despeito da legislação brasileira em face dos requisitos, pois carecem de interpretações e elas ficaram a cargo tanto da doutrina quanto da jurisprudência, enquanto no direito Boliviano os artigos minudenciaram as formas pelas quais se vislumbram a presença das condições da prisão.
Mormente a semelhança das condições exigíveis para a prisão preventiva e o elevadíssimo número de presos sem julgamentos, podemos concluir que há uma cultura em comum implantada perante os Países da América do Sul, no sentido da banalização das prisões sem cautelares.
Corroboram com tais argumentos balanços realizados pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, oportunidade que nos apresenta, infelizmente, que nesses países a prisão preventiva é usada de forma excessiva, o que acaba aumentando a população carcerária e levando a situações críticas e indignas. Essa espécie de prisão extirpa a vida de milhares de pessoas que pagam por delitos que não atentaram.
Indisfarçavelmente, o maior número das pessoas que estão cumprindo essa modalidade de prisão faz parte da juventude negra e pobre. Logicamente, é preciso a adoção de fortes políticas públicas por parte do Estado, mas não se pode negar que as decretações das prisões devem ser melhor analisadas, sobretudo quanto à necessidade da segregação, evitando um encarceramento massivo sem responsabilidade.
Embasa o aceleramento da política de encarceramento o fato de o Brasil, em aproximadamente 5 anos, ter saído do quinto lugar para tomar a liderança entre os Países da América do Sul em número de presos provisórios por habitante, também chegando em alta escala a Bolívia.
O Poder Judiciário precisa entender que a taxa de criminalidade não se reduz com o encarceramento, logo, essa não pode ser a primeira medida a ser adotada, sob pena de violar Direitos, o estudo do Direito Comparado nos mostrou que há possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, necessitando em caráter de urgência, efetividade.

POR,
RAFAEL TORRES
ADVOGADO CRIMINALISTA
ESPECIALISTA EM CIÊNCIAS CRIMINAIS
PRESIDENTE DO ESCRITÓRIO RAFAEL TORRES ADVOGADOS
PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITO PENAL DA ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS DE PERNAMBUCO – ABRACRIM-PE.
DOCENTE DA FACULDADE NOVO HORIZONTE
AUTOR DE ARTIGOS CIENTÍFICOS.